Ética para Programadores - o caso TrateCOV
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Se um desenvolvedor de software recebe uma demanda anti-ética e mesmo assim a cumpre, de quem é a culpa?
O TrateCOV foi criado no Brasil em 2020. Com base nas respostas a um questionário, o aplicativo deveria determinar se uma pessoa apresenta sintomas de Covid-19 e preescrever os medicamentos (comprovadamente ineficazes) do chamado “kit COVID”.
“Diante do quadro epidemiológico que hoje toma conta do estado do Amazonas e diversos estados brasileiros, nós estamos apresentando para a sociedade um aplicativo que permite forte valor preditivo, que diz se um doente, diante de suas manifestações clínicas, tem ou não a covid-19. E assim nós pudemos, em um período de cinco minutos de utilização do aplicativo, ofertar imediatamente para milhões de brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para quadros mais graves”, afirmou Mayra Pinheiro, explicando que o app já está disponível nas plataformas do Ministério da Saúde.
Relatório CPI da COVID (página 97):
Não foram os ministros ou os secretários que comandam o Ministério da Saúde que desenvolveram este sistema. Foram programadores.
diante do aumento do número de casos em Manaus, o Ministério da Saúde lançou no Amazonas um aplicativo para agilizar o atendimento de pacientes com sintomas de covid-19 e para garantir um tratamento precoce. É o TRATECOV, ferramenta desenvolvida por servidores do próprio Ministério.
Relatório CPI da COVID (página 97)
Em nota, o próprio CFM explica os erros éticos do aplicativo. Programadores não são capacitados para preescrever medicamentos (ainda mais quando já são comprovadamente ineficazes).
- Não preserva adequadamente o sigilo das informações;
- Permite seu preenchimento por profissionais não médicos;
- Assegura a validação científica a drogas que não contam com esse reconhecimento internacional;
- Induz à automedicação e à interferência na autonomia dos médicos;
- Não deixa claro, em nenhum momento, a finalidade do uso dos dados preenchidos pelos médicos assistentes.
Relatório CPI da COVID (página 98)
Toda essa questão me lembra da obra de Hannah Arendt:
Suponhamos, hipoteticamente, que foi simplesmente a má sorte que fez de você um instrumento da organização do assassinato em massa; mesmo assim resta o fato de você ter executado, e portanto apoiado ativamente, uma política de assassinato em massa. Pois política não é um jardim-de-infância; em política, obediência e apoio são a mesma coisa.
Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt, página 301-302
Onde está a responsabilidade e a ética dos profissionais de desenvolvimento de software?
Referências
- Eichmann em Jerusalém: o mal que há em nós
- Livro: “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”
- CPI da Covid: Leia a íntegra do relatório final
- TCU - Aplicativo TrateCov recomendava tratamento precoce da COVID-19
- Caipyra 2019: A banalidade do mal e a regulação de novos comportamentos tecnológicos - Cuducos
- CPI e a filosofia