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Resenha de "O Projeto Desfazer - A amizade que mudou nossa forma de pensar"

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As imagens do futuro são moldadas pela experiência do passado”, escreveram, virando de cabeça para baixo as famosas palavras de Santayana sobre a importância da história: aqueles que não se lembram do passado estão fadados a repeti-lo.

Livro de Michael Lewis - “O Projeto Desfazer”

Livro maravilhoso, conta a história da amizade entre Danny e Amos (autores de “Rápido e Devagar”). Tem partes muito comoventes e é uma boa introdução as ideias de economia comportamental.

O livro começa nos apresentando a Daniel Kahneman vivendo sua infância na França ocupada por nazistas. No breve relato o autor conta o que foi viver com a incerteza e a dor de ser judeu durante a Segunda Guerra Mundial.

Danny não estava pronto para abandonar a ideia de que o universo tivesse alguma força zelosa e invisível por trás. “Eu dormia sob o mesmo mosquiteiro dos meus pais”, contou. “Eles ficavam em uma cama grande. Eu, numa pequena. Estava com nove anos. E rezava para Deus. E a oração era: sei que o Senhor está muito ocupado e que os tempos são difíceis e tudo o mais. Não quero pedir muita coisa, mas gostaria de pedir só mais um dia.

Depois nos apresenta a Amos Tversky e logo passa a comparar a personalidade e o desenvolvimento da carreira intelectual de ambos. Os dois tiveram passagens importantes pelas Forças de Defesa de Israel, por onde participaram de várias guerras (tanto como acadêmicos ajudando aos militares com alguma questão complexa, como quanto soldados atuando em batalhas).

O ponto principal do livro, o motivo de ser, é a colaboração que ambos tiveram no desenvolvimento da “Teoria do Prospecto” (explicada no livro “Rápido e Devagar”). Eles partiram do que era a então aceita Teoria da Maximização (Teoria da Utilidade Esperada) que dizia que os seres humanos são racionais, pesam probabilidades e que buscam “maximizar a utilidade” ao tomar decisões. Kahneman rejeita essas ideias no seguinte comentário:

Ele escutara um economista americano falar sobre como fulano era idiota e sicrano era um tolo, então disse: “Todos os seus modelos econômicos partem da premissa de que as pessoas são inteligentes e racionais, e, no entanto, todos que o senhor conhece são idiotas.”

Os dois trabalham juntos criando diversos experimentos para entender como nós pensamos e tomamos decisões. Esses experimentos levam à vários insights, onde os dois pesquisadores entendem que usamos regras do polegar (rule of thumb) e heurísticas para decidirmos, não somos bons em pensar em termos de probabilidade e estatística.

Na parte final do livro foca bastante na amizade entre os dois, e como foi um relacionamento descrito como se fosse um casamento. Eles tem personalidades muito diferentes, e são reconhecidos de forma diferente pelo mundo – Amos era considerado o gênio e principal autor da dupla, o que Danny recentia. Isso vai levando à diversos problemas entre os dois e torna o livro ainda mais especial e humano. Todas as pessoas tem suas falhas, suas questões e suas complexidades, e até nos relacionamentos mais intensos podem existir problemas.

O final é bem comovente da forma como o Michael Lewis sabe fazer seus finais de livros.

Excelente para quem quer procurar um livro humano, sobre amizade e de quebra aprender sobre como pensamos e tomamos decisões.

ps: Taleb faz algumas críticas ao autor Michael Lewis, especialmente em como ele retratou a controvérsia entre Amos e Danny com Gigerenzer.

Essa falha da intuição humana teve todo tipo de implicação para o modo como as pessoas atuavam no mundo, faziam julgamentos e tomavam decisões, mas o artigo de Danny e Amos — que seria publicado no Psychological Bulletin — se debruçava em suas consequências para a ciência social. Experimentos nessa área normalmente envolviam pegar uma amostragem pequena qualquer de uma população mais ampla e testar alguma teoria nela. Digamos que um psicólogo acreditasse ter encontrado uma conexão: crianças que preferiam dormir sozinhas em acampamentos tinham de algum modo uma tendência menor a participar de atividades sociais do que as crianças que preferiam barracas para oito pessoas. O psicólogo havia testado um grupo de vinte crianças e elas confirmaram sua hipótese. Nem toda criança que queria dormir sozinha era antissocial, e nem toda criança que preferia a barraca de oito pessoas era altamente sociável — mas o padrão existia. O psicólogo, sendo um cientista consciente, seleciona uma segunda amostragem de crianças — para ver se consegue reproduzir sua descoberta. Mas, como ele avaliou mal até que ponto a amostragem precisa ser grande para ter uma boa chance de refletir a população inteira, está à mercê da sorte.1 Haja vista a variabilidade inerente da pequena amostragem, as crianças em sua segunda amostra podiam não ser representativas, muito diferentes da maioria das crianças. Contudo, ele as tratou como se tivessem o poder de confirmar ou refutar sua hipótese. A crença na lei dos pequenos números: aí estava o equívoco intelectual que Danny e Amos suspeitavam ser cometido por uma porção de psicólogos, porque Danny o cometera. E Danny tinha um tato para estatística muito melhor do que a maioria dos psicólogos, ou até do que a maioria dos estatísticos.

Ou seja, ele deveria tentar racionalizar por que em um grupo pessoas com narizes compridos são mais propensas a mentir, enquanto no outro, não. Os psicólogos tinham tanta fé em pequenas amostras que presumiam que, não importa o que aprendessem com uma, devia ser uma verdade geral, mesmo quando uma lição parecia contradizer a outra. O psicólogo experimental “raramente atribui um desvio de resultados das expectativas à variabilidade amostral porque encontra uma ‘explicação’ causal para toda discrepância”, escreveram Danny e Amos. “Desse modo, ele tem pouca oportunidade de reconhecer a variação amostral em ação. Sua crença na lei dos pequenos números, portanto, permanecerá eternamente intacta.”

Quando sentavam para escrever, quase se fundiam, fisicamente, em uma forma única, de um modo que as poucas pessoas que por acaso captavam um relance deles achavam esquisito. “Eles escreviam juntos, sentando lado a lado na máquina de escrever”, lembrou Richard Nisbett, o psicólogo de Michigan. “Não consigo imaginar. Seria como se alguém escovasse meus dentes para mim.” O modo como Danny disse era: “Estávamos partilhando uma mente.”

O primeiro artigo da dupla — em que ambos ainda pensavam em parte como sendo uma piada feita às custas do mundo acadêmico — mostrara que pessoas confrontadas com um problema que tinha uma resposta estatisticamente correta não pensavam como estatísticos. Nem mesmo estatísticos pensavam como estatísticos.

substituía as leis da probabilidade por regras do polegar.* Danny e Amos chamavam essas regras de “heurística”. E a primeira heurística que queriam explorar chamaram de “representatividade”. Quando as pessoas emitem julgamentos sobre as coisas, argumentaram eles, comparam o que estão avaliando a algum modelo em sua mente. Até que ponto aquelas nuvens se assemelham ao meu modelo mental de uma tempestade próxima? Até que ponto essa úlcera se assemelha a meu modelo mental de um tumor maligno? Jeremy Lin coincide com minha imagem mental de um futuro jogador da NBA? Aquele líder político beligerante da Alemanha se assemelha à minha ideia de um homem capaz de orquestrar um genocídio? O mundo não é apenas um palco. É um cassino, e nossas vidas são jogos de azar. E quando as pessoas calculam as probabilidades em qualquer situação da vida, estão com frequência fazendo julgamentos sobre similaridade — ou (estranha palavra nova!) representatividade. Você tem um conceito sobre a população-fonte (parent population): “nuvens de tempestade”, “úlceras gástricas”, “ditadores genocidas”, “jogadores da NBA”. Então compara o caso específico à população-fonte.

Na Segunda Guerra Mundial, os londrinos pensavam que as bombas alemãs visavam determinados alvos, porque algumas partes da cidade eram atingidas repetidamente, enquanto outras passavam incólumes. (Estatísticos mais tarde mostraram que a distribuição era exatamente o que você esperaria de um bombardeio aleatório.) As pessoas acham uma coincidência notável que dois alunos em uma sala façam aniversário no mesmo dia, quando na verdade há uma chance maior do que meio a meio, em qualquer grupo de 23 pessoas, de que dois de seus membros tenham nascido no mesmo dia. Temos uma espécie de estereótipo de “aleatoriedade” que difere da aleatoriedade verdadeira. Nosso estereótipo de aleatoriedade carece dos agrupamentos e padrões que ocorrem em sequências aleatórias reais.

Mais uma vez, não era que as pessoas fossem estúpidas. Essa regra particular que usaram para avaliar probabilidades (quanto mais fácil é para mim recuperar da memória, mais provável é) muitas vezes funcionava bem. Mas, se você apresentasse às pessoas situações em que a evidência de que necessitavam para avaliá-las acuradamente fosse difícil de recuperar da memória, e a evidência enganadora viesse com facilidade à mente, elas cometeriam erros.

Aí, claramente, estava outra fonte de erro: não apenas que as pessoas não sabem o que não sabem, mas também que não se dão ao trabalho de incorporar sua ignorância a suas avaliações.

A escrita estava na parede, só que a tinta era invisível

Com demasiada frequência, vemo-nos incapazes de prever o que vai acontecer; contudo, após o fato, explicamos o que aconteceu com grande dose de confiança. Essa “capacidade” de explicar o que não temos como prever, mesmo na ausência de qualquer informação adicional, representa uma importante, ainda que sutil, falha em nosso raciocínio. Ela nos leva a crer na existência de um mundo menos incerto do que realmente é, e que somos menos inteligentes do que realmente podemos ser. Pois se podemos explicar amanhã o que não temos comoprever hoje, sem qualquer informação extra, a não ser o conhecimento do efetivo resultado, então esse resultado deve ter sido determinado de antemão e devemos ser capazes de prevê-lo. O fato de que não pudemos fazê-lo é tomado como uma indicação de nossa inteligência limitada e não da incerteza inerente ao mundo. Com demasiada frequência, tendemos a nos censurar por ter deixado de prever isso que mais tarde parece inevitável. Até onde sabemos, a escrita podia ter estado na parede o tempo todo. A questão é: a tinta era visível?